Cr 001 - No meio do caminho tem uma árvore

Alguns prazeres únicos pouco nos custam. É agradável – e muito – andar pelas ruas históricas de Iguape/SP. Dentre estas, algumas poderiam até ser “promovidas” e outras enobrecidas. Vemos entre aquelas, becos em que houve retenção de escravos, para leilão e outras decorrentes do escravagismo, época marcante da cidade. Mereceriam talvez um tributo, tendo como testemunho suas paredes centenárias.
A despeito das tintas que lhe impõem grossas camadas, ali estão a tudo observando e escutando, num testemunho silencioso. Poderiam até lembrar das insanidades cometidas ao seu lado, mas deixam para nossos corações julgar o que tuas sombras presenciaram. Num dia quente, nos dizem que são justas em tuas dádivas. Refrescaram tanto as vítimas como seus algozes. Mesmo em abandono, conservam a lucidez do bom observador, sendo implacáveis em sua visão estática.

Vê-se agora a margem do mar pequeno toda urbanizada. O Mercado Municipal deixou de existir. Há em seu lugar uma construção nova, um Centro de Turismo. Bonito! Ao menos, quando se pensa em turismo, poderiam também pensar numa restauração e estas ruínas seriam preservadas.

Agora, esta orla tem um nome pomposo, teu viamento chama-se Avenida. Melhor ainda, é Avenida Princesa Isabel. Justo! Afinal, assinou a Lei Áurea, pondo fim oficialmente a tristeza que aqui se via. Mas essa Avenida poderia ser “promovida” a Alameda, pois há tantas árvores!

A despeito da evolução da paisagem, vejo ainda a resistência solitária sobrepujar-se ao avanço do calçamento, do asfalto, do concreto. Aquela árvore, enquanto à frente das construções que haviam ao lado do Mercado e junto a orla do Mar Pequeno, foi ouvinte e amiga silenciosa de muitas conversas. Deve de ser muito sábia, mas parece-me tão inocente...

Acaso fosse contemporâneo Carlos Drummond, nosso Poeta Maior escreveria: “No meio do caminho tem uma árvore. Tem uma árvore no meio do caminho”. Quando os ônibus alí passam, deve até tremer de medo. Acharia ela que os ônibus tem freio ruim e caixas de direção folgadas, tendo até medo de ser atropelada. Quando chega o fim de semana, em seu torno ficam carros estacionados. 

Os ingratos motoristas nem sequer lhe agradecem. Mas o que se há de fazer? Pudesse se mexer, sairía do meio do caminho, apenas para que o Casario Antigo deixasse de chamá-la de estorvo. Eles parecem sempre lhe dizer:

— Estamos velhos e em ruínas, mal conservados... mas não incomodamos a passagem de ninguém!

A Árvore, por sua vez, apenas considera, do alto de sua sapiência (e copa belíssima):

— Idosos Senhores, estão mal informados! Aqui esteve um certo sujeito, chamado Sr. Progresso. Parou, me olhou e garantiu que vou ganhar uma placa onde constará “HOMENAGEM À INTRANSIGÊNCIA - Esta árvore aqui ficará, enquanto viver, simbolizando a insegurança que os homens atuais têm em conciliar desenvolvimento e respeito ao meio ambiente”.

O vento balançou seus galhos e pareceu-me, por um instante, que sorria.


Julio Silva
abr/2003